Sentada diante da folha em branco há mais de 10 minutos, tento articular as palavras, para construir frases, enquanto o cursor pisca, impaciente, à minha espera.
A missão adivinha-se demasiado grande para mim. Por hoje; pelo menos por hoje…
Estava tudo bem e o vírus era só uma coisa irreal, pertencente a uma realidade virtual que acontecia lá fora. Até que tocou uma das minhas pessoas.
Ele tem exatamente a minha idade. É bonito e inteligente. Empenhado, trabalhador, atento, cuidadoso com todos e um líder nato. Quando o conhecemos, é impossível não o admirar.
– How are you doing? – diz-me, quando me liga por Skype, no seu tom quase sempre divertido.
Tudo isto, no entanto, podia ser irrelevante para mim: dizem que esquecemos tudo.
Esquecemos tudo. Menos o que nos fazem sentir.
E ele fez-me sentir querida, quando não me deixou sair da pista de dança antes das seis da manhã e juntos dançámos ao som de I’m so excited, dos The Pointer Sisters,
Fez-me sentir parte de uma equipa quando me acolheu na sua e me deu voz;
Faz-me sentir acarinhada sempre que vem a Espanha e me traz da Bélgica os meus chocolates preferidos;
Faz-me sentir reconfortada, quando já não aguento mais e sei que lhe posso ligar, porque me vai ouvir – haja o que houver.
Um dia pediu a todos os membros da equipa uma coisa. Só uma coisa: que escrevessemos um postal para a sua tia Jo, que tem Alzheimer e que assim, no seu aniversário, receberia uma avalanche de postais de toda a Europa.
Só me pediu isso. E eu não o fiz. Porque a vida e as obrigações do dia-a-dia nos mergulham num Alzheimer permanente e nos trocam as voltas e prioridades.
Hoje soube que está doente. Coronavírus.
Ele, que não é de se queixar, disse-me por fim que se sentia muito, muito cansado e que lhe custava respirar.
E eu senti medo. Um medo tão grande que gelei por dentro. Medo de que, quando isto passe, a saudade fique.
E hoje só penso na tia Jo e no único pedido que ele me fez.
Prometo-te, meu amigo, prometo… Prometo enviar postais de todos os lugares que visitar. Dois de cada: um para a tia Jo, outro para ti.
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