Domingo. 9 horas da manhã.
Escrevo. Escrevo no terraço, sobre a mesa de madeira e ainda de pijama. Não se vê ninguém. Não se ouve ninguém. Ouvem-se os pássaros. A luz do sol levanta-se docemente à minha direita. Sinto-me tranquila, quase feliz.
Ontem saímos. Os dois, de mão dada e de máscara. Saímos, pela primeira vez em 53 dias.
Passeámos pelo bairro e andámos por sítios onde nunca antes tinhamos andado.
Havia muitas pessoas na rua, quase todas de máscara. Íamos esquivando pessoas, aqui e ali, por forma a manter a distância recomendada de segurança (dois metros).
Andámos durante 45 minutos. Trocámos algumas palavras e esboçámos sorrisos, que apenas percebemos, por trás das máscaras.
Havia muito pólen no ar e fazia calor. Passámos por um campo de malmequeres polvilhado de papoilas vermelhas; de um vermelho vivo, como sangue.
Ao longe, uns vizinhos punham música, num terraço, ajudados por uma coluna de som que dava à rua. A mim, apeteceu-me dançar. Creio que a muitas pessoas com quem me cruzei, lhes apeteceu dançar. Não o fiz.
Demos passos de descoberta – como se fosse a primeira vez que pisávamos o chão. Saboreámos o mundo, como se acabássemos de aí chegar e o víssemos pela primeira vez.
Só nós estivemos ausentes. Apenas para nós a vida se estancou. Lá fora, a vida continuou num espetáculo abrumador de beleza e cor. Hibernámos num Inverno. Despertámos numa Primavera.
Secretamente, desejei que, a partir de agora, cada caminhada fosse assim: natural, cheia de sol e em si mesma, um ato solene de agradecimento e presença.
Passou-nos ao lado muita coisa. Passou-nos ao lado a vida.
Que possamos regressar, agora, inteiros… De corpo, mente e alma. Mais presentes do que nunca.
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